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terça-feira, 23 de outubro de 2012

De Cesare Lombroso a José Serra: o controle das “classes perigosas”



Século XIX

Cesare Lombroso
No final do século XIX, o médico e psiquiatra Cesare Lombroso, por meio da sua antropologia criminal, tentou estabelecer uma correlação entre criminalidade e características físicas baseada na frenologia (medição do crânio) e na antropometria (mensuração do corpo humano ou de suas partes)  com objetivo de demonstrar a relação entre essas características físicas dos indivíduos e sua capacidade mental e propensões morais. Em várias obras de sua autoria, tais como “Gênio e Loucura”, “O homem delinquente”, “O delito”, etc., Lombroso disseminou a ideia de que o criminoso não é totalmente vítima das circunstâncias sociais e educacionais desfavoráveis. Pelo contrário. Afirma que ele sofre do que definiu como  “Tendência atávica”, hereditariamente para o mal. O delinquente é doente; a delinquência é uma doença que pode e deve ser prevenida. Para Lombroso “o criminoso é geneticamente determinado para o mal, por razões congênitas. Ele traz no seu âmago a reminiscência de comportamento adquirido na sua evolução psicofisiológica. É uma tendência inata para o crime”.  
Por meio de teoria da Criminologia descreveu um conjunto de características físicas e morais do que chamou de “delinquente nato”, ou seja, aqueles que tem propensão natural para criminalidade. Dentre as características corporais do homem delinquente estão: a testa fugida, arcos superciliares excessivos, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes, anomalias dos órgãos sexuais, orelhas grandes e separadas, tamanho da mandíbula, conformação do cérebro, estrutura óssea e a hereditariedade biológica referida como atavismo.  As características morais, segundo o autor, são: insensibilidade à dor, tendência a tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, preguiça excessiva, caráter impulsivo e agressividade.  
Baseado nessas características, Lombroso não só identificava o criminoso em potencial como também defendia medidas preventivas dos portadores destas, tais como o  isolamento do convívio social e a prisão perpétua, visto que esses indivíduos eram criminosos natos e irrecuperáveis.
Apesar da natureza inconsciente de suas teorias, pois não se sustentavam para além da esfera do estereótipo, Lombroso foi muito influente, tanto na Europa quando no Brasil entre criminologistas, juristas e antropólogos.  Nesse mesmo período, o racismo cientifico, (justificava biológica para a soberania do branco europeu frente a uma suposta inferioridade dos indivíduos de outra origem étnico-racial)  estava em alta. Aqui no Brasil essas teorias influenciaram tanto nosso código penal que resultou em praticamente 100% da população carcerária composta por negros e mestiços, o mesmo índice se repetindo para as internações compulsórias dos primeiros hospitais psiquiátricos.
Isso porque nossos legisladores, juristas e agentes públicos de segurança entendiam que a degeneração moral vinha da mistura social e consanguínea das "raças impuras”. Esse pensamento condicionou (e até hoje condiciona) práticas racialmente tendenciosas de identificação de suspeitos baseadas no construto social do  “criminoso padrão”, aos moldes da teoria de Lombroso. Daí o motivo da perseguição, coerção, prisão, condenação e execução preferencial de jovens negros por agentes do estado (policiais, delegados, juízes, promotores, etc.).

Século XXI

José Serra
Na data do dia 22/10 de 2012, dias antes da eleição municipal do segundo turno para prefeitura de São Paulo (prevista para 28/10), a rádio CBN promoveu um levantamento de perguntas feitas pelos ouvintes para os candidatos Fernando Haddad do PT e José Serra do PSDB. Uma das perguntas feita para ambos foi: "Qual o projeto dos candidatos para combater a violência e o consumo de drogas dentro das escolas, além de restabelecer o respeito dentro de sala de aula". Haddad propõe como solução o ensino de período integral, conciliando medidas culturais e esportivas ao ensino tradicional. Agora, reparem na resposta de José Serra acerca da mesma questão: 

“Nos vamos combatê-la em parte por prevenção. Fizemos uma parceria com a Fundação Casa pra atuar nos jovens que estão dentro da escola e que ainda não entraram no crime mas que podem ter propensão pra isso. Vamos fazer com eles um trabalho preventivo. Identificar quem tem um potencial para ir pro crime ou para ir para droga e fazer um trabalho de acompanhamento, de monitoramento e de ajuda a esses jovens. Não são apenas medidas de segurança, são medidas preventivas”. (clique aqui e ouça o pronunciamento de José Serra na íntegra) 

Qualquer semelhança com as teorias de Cesare Lombroso NÃO É MERA COINCIDÊNCIA! As medidas preventivas forjadas por Lombroso são idênticas as de José Serra: prevenir o desenvolvimento da marginalidade em indivíduos com potencial para criminalidade. Firmar parceria com a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA), órgão que cuida de jovens de 12 a 21 anos que cometeram (e não que podem cometer) alguma infração, resgata as ideias de Lombroso de se precaver do criminoso através do "diagnóstico precoce" do indivíduo considerado desviante. Assim como uma doença, essa propensão para delinquência deve ser “prevenida” antes de ser desencadeada.
Para Serra, a questão educacional deve passar pelo campo perigoso da atribuição de um rótulo de marginalidade conferido a alguns jovens com características pré-definidas (sob critérios escusos) e resolvido como caso de polícia ou de policiamento preventivo contra um suposto "potencial criminoso" em detrimento a medidas sócio educativas adequadas. 
Howard Becker em sua obra "Los extraños - sociología de la desviación" descreve que "os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas em particular e qualificá-las de marginais. (...) o desviante é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito a dita qualificação (etiqueta)". Segundo Ana Luíza P. Flauzina em sua obra "Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do estado brasileiro" afirma que "não existe condutas desviantes em si ou indivíduos delinquentes por suas características pessoais e posição na piramide social, mas sim a criminalização é construída com base numa classificação de condutas por determinado nicho social que impõe o catálogo a todos os membros da sociedade". O que Flauzina e Becker querem dizer é que o cometimento de uma prática transgressora em si não é suficiente para caracterizar a criminalidade. Ainda segundo Flauzina "o criminoso passa a ser aquele exposto a uma rotulação das categorias construídas como crime". Ou seja, ao se criar um estereótipo do “aluno com propensão a criminalidade e usuário de drogas”, Serra atualiza uma teoria preconceituosa, racista e xenofóbica: estereotipar jovens, distinguindo-os de seus pares pela atribuição de características que justificam sua segregação da sociedade pelo risco nato que lhes são atribuídos. Além disso, observasse um faceta perversa ao se instituir um tipo de exclusão moral dos alunos indisciplinados, ou seja, apartá-los do limite das regras e valores morais.  Segundo Maria Aparecida Silva Bento, em seu artigo “Branqueamento e branquitude no Brasil”, "o primeiro passo da exclusão moral é a desvalorização do indivíduo como pessoa e, no limite, como ser humano".  Para essa autora “os excluídos moralmente são considerados sem valor, indignos e, portanto, passíveis de serem prejudicados ou explorados (...) A exclusão moral pode assumir formas severas, como o genocídio; ou mais brandas, como a discriminação. Pelos processos psicossociais de exclusão moral, os que estão fora do nosso universo moral são julgados com mais dureza e suas falhas justificam o utilitarismo, a exploração, o descaso, a desumanidade com que são tratados”.
José Serra revive o pensamento positivista da criminologia Lombrosiana do século XIX e, porque não dizer, reascende a chama do racismo cientifico, visto que a alcunha de “criminoso potencial”  incide prioritariamente (e não coincidentemente) na parcela pobre, majoritariamente parda, negra, mestiça. Segundo Sueli Carneiro “há quem vê nas crianças negras a ‘semente do mal’, como o fez certa vez, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendendo a descriminalização do aborto para mulheres faveladas, pois seus úteros seriam 'fábricas de marginais'” (demonstração de que Sérgio Cabral Filho, governador do Estado do Rio de Janeiro pelo partido PMDB, também  está afinado com desígnios do racismo moderno). Inclui-se nesse balaio de gato os nordestinos, bolivianos, adeptos de religiões marginalizadas, etc. Resumindo: toda ordem de indivíduo que se enquadre no que os moradores de Higienópolis chamam de “gente diferenciada”.
O que o candidato tucano propõe contribui para o construto social do estereótipo de “criminoso padrão” gerando uma suspeição antecipada desses indivíduos a partir da criação de uma medida estigmatizante que tende a reduzir ainda mais as expectativas (já bastante reduzidas) dos alunos problemáticos, selecionando os “bons” dos “maus” pelo rótulo de “criminoso potencial” atribuído a jovens em fase de formação. 
A proposta do tucano pode abrir um canal perigoso para que a agressividade da classe média contra as classes pobres (entendidas como perigosas) se dirijam contra esse inimigo comum (a outra raça, o imigrante, o estrangeiro não europeu e não branco).
Não se trata da defesa de alunos reconhecidamente violentos e desrespeitosos. Não estou fazendo de conta que a violência e o uso de drogas em ambiente escolar não sejam um problema grave que devem ser resolvidos, tampouco sugerindo ideias paternalistas para essa questão grave. O que faço aqui é questionar da proposta de Serra como solução para o problema num contexto de uma sociedade complexa, heterogênea e desigual. A meu ver, o grande equivoco do plano de Serra para resolução do problema é que sua proposta reflete anseios das alas mais conservadoras, ávidas por medidas mais duras para crimes cometidos por classes sociais menos abastadas tais como pena de morte, redução da maioridade penal e todo tipo de política pública que vise “cortar o mal pela raiz”. Essa proposta também converge satisfatoriamente com pensamento da extrema direita que corteja ações de cunho nazi-facista. 
O que está incutido na proposta de José Serra é uma política de controle social das classes sociais consideradas perigosas pela elite econômica,  que visa, fundamentalmente, o bom funcionamento da ordem econômica liberal, a satisfação dos interesses do capital e o bem-estar e “proteção” dessa elite econômica paulistana.  A medida em que se diferenciam os alunos problemáticos sobe o pretexto da identificação de um "potencial" extremamente negativo e incapaz de ser mensurado ou definido sem a utilização de estereótipos preconceituosos (aos moldes forjados por Cesare Lombroso),  cria-se dentro de um ambiente institucional como a escola um controle seletivo dos considerados incômodos politicamente, passando a  representa-los como “seres perigosos”, verdadeiras ameaças sociais. A parceria com a fundação CASA sugerida por Serra só serve de reforço para o senso comum elitista que enxerga  os pobres como bandidos potenciais e, além disso, desnecessários economicamente, pois são despreparados e dificilmente conseguirão obter emprego. Serra reflete a paranoia da da classe média que projeta seu medo no outro (não pertencente a essa classe), representando-os como arautos do mal. A "prevenção" de Serra pode servir de pretexto para uma verdadeira caça aos “culpados”, além de fornecer argumentos “legais” para dissimular o racismo e a xenofobia incutida na rotulação de criminoso. Para Maria Aparecida Silva Bento “essa projeção pode estar na gênese de processos de estigmatização de grupos que visam legitimar a perpetuação das desigualdades, a elaboração de políticas institucionais de exclusão e até de genocídio”. 
As teorias de Lombroso perderam credibilidade científica ao longo das décadas, mas suas ideias não abandonaram o subconsciente daqueles que alimentam todo tipo de preconceito. Infelizmente já tivemos pessoas com esse viés de pensamento na administração do município. Cabe agora torcer e agir para que a cidade não cometa o mesmo erro.


Referência Bibliográfica:
O livro: “CORPO NEGRO CAÍDO NO CHÃO: O SISTEMA PENAL E O PROJETO GENOCIDA DO ESTADO BRASILEIRO” de Ana Luiza Pinheiro Flauzina.  Rio de Janeiro: contraponto, 2008.

O artigo: “BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL” de Maria Aparecida Silva Bento presente no livro “PSICOLOGIA SOCIAL DO RACISMO”.

Este artigo está disponível no link:
http://www.ceert.org.br/premio4/textos/branqueamento_e_branquitude_no_brasil.pdf


Fontes pesquisadas:
Sobre Cesare Lombroso
http://www.umarizalnews.com.br/2012/03/as-teorias-de-cesare-lombroso.html

Para ouvir a resposta de José Serra na Rádio CBN CLIQUE AQUI

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ser contra Haddad, vá lá. Mas apoiar Serra é demais!




Criticar um candidato do PT me parece razoável visto que Plínio de Arruda Sampaio, político experiente do cenário nacional, pertence a um partido dissidente, portanto, fruto de uma incompatibilidade de pensar e agir. De fato o PT de hoje é bem diferente do PT que nasceu em meados dos anos 80, no bojo de um período de redemocratização.  Há decepções, ressentimentos e discordâncias que ficam evidentes na oposição que o Partido Liberdade e socialismo (PSOL) tem sobre o Partido dos Trabalhadores. Penso que uma oposição saudável deve ser absolutamente crítica, mas essa critica não pode ser confundida com ressentimentos particulares.
Ao desabonar Haddad e insinuar que o candidato que disputa o segundo turno a prefeitura de São Paulo com ele pode ser uma opção mais razoável (fato implícito no seu discurso), Plínio fez uma opção por uma oposição burra a um desafeto político. Crítica política se confunde com ressentimento pessoal, gerando um aval irresponsável para o fortalecimento da direita conservadora paulistana (sobretudo da direita golpista, sempre atenta às lacunas abertas nestas oportunidades). Pelo menos no campo do discurso, não há (ou não havia) possibilidades  deu um projeto “socialista e revolucionário” (como Psol se auto- intitula) coadunar com um projeto “social-democrata” (leia-se reacionário) tucano.   Ser contra o PT por discordâncias político-partidárias é uma coisa. Apoiar um partido diametralmente oposto a ideologia de esquerda é outra. Creio que a posição mais justa e sóbria seria a neutralidade. Não se trata de inocentar o PT que já fez alianças pra lá de contraditórias em prol de um projeto de poder (vide o arranjo entre Maluf e Haddad para concessão de maior visibilidade televisiva na propaganda eleitoral “gratuita”).
Cabe a ressalva que a opinião do velho "comunista" não pode ser generalizada a todos militantes no Psol. Na minha opinião,  grande parte prefere um voto anti-serra (ou no limite, a neutralidade). Nesse sentido, votar no Haddad contra o Serra é o que é bem diferente de compactuar com o PT. Poderia ser entendido como um "voto estratégico" ou uma “opção no menos ruim”, visto que, comparativamente, o ideário tucano é proporcionalmente mais conflitante (e porque não dizer, totalmente oposto) a visão ideológica socialista que o PSOL embandeira. No caso do voto em Haddad, os partidários do Psol não assinam compromisso com PT e apenas optam por aquele a quem irá farão oposição. Não há contradição em apoiar Haddad, tampouco em se manter neutro. Não compromete em nada as críticas, as discordâncias e as diferenças existente entre o partido matriz e o partido dissidente.
Percebi que muitos amigos de facebook que são partidários do Psol são contra o voto nulo e terão que, teoricamente falando,  se posicionarem. Creio que grande parte vai optar pelo voto crítico ao Haddad, assim como fizeram nas eleições para presidência da república quando grande parte declarou voto à Dilma em detrimento ao mesmo José Serra. Longe de concordarem com as diretrizes que o PT vem adotando, esses militantes do Psol permanecem firmes numa postura critica (embora note também que existe entre estes um grau de ressentimento, sobretudo daqueles que participaram das bases do PT, e uma “oposição pela oposição”, o que chamo de “oposição burra”)
No final das contas, Plínio, o velho "comunista", vai apoiar a classe social a que pertence decretando a prevalência da solidariedade de classe sobre a ortodoxia marxista. Agora é só desejar que Plínio vista o pijama.

sábado, 6 de outubro de 2012

ORLANDO SILVA E A "AFROCONVENIÊNCIA"



Tem umas coisa que me deixam apoquentado nessas eleições: é a reviravolta de políticos profissionais como Orlando Silva.  Do ponto de vista de um militante do movimento negro que sou, fico incomodado com um aspecto específico que notei em sua campanha. Ao vê-lo do numa foto de campanha ao lado de músicos, ativistas e um cineasta negro com a inscrição acima “Tamo junto!”, percebo que ele aderiu, mesmo que timidamente, ao apelo da identidade negra. No seu plano de governo, expresso num panfleto que peguei no centro de São Paulo, Orlando é destacado como uma “liderança negra” e um representante da causa racial. Isso me incomoda: ver a causa que defendo sendo utilizada de acordo com conveniências políticas de pessoas mais comprometidas com projetos de poder individuais do que com causas sociais e coletivas. Orlando sempre foi discretíssimo sobre a questão, nunca defendeu abertamente e figurou como "incolor" em grande parte da sua carreira política. Agora, momento que tenta emergir politicamente após ter sido demitido do cargo de ministro dos esportes, utiliza como um dos motes de campanha o apelo à identidade afrodescendente como estratégia para conquistar um setor específico da população composto por ativistas e militantes da causa etnicorracial negra. Isso é o que chamo de "afroconveniência", ou seja, destacar o apelo racial para proveito particular. E é essa parte que me toca. Não falo dos escândalos em que ele se envolveu nem das suas explicações empoladas e escorregadias (creio sinceramente que ele é um mal político, pra dizer o mínimo). Falo do apelo oportunista a uma causa que sempre negligenciou e que em tempos de eleição surge no discurso como forma de “diferencial” para que se vote nele. Não se trata de discutir a negritude de Orlando, visto que esta é notória. Trata-se de fazer uso político desse fato para angariar votos. Ele poderia ser negro e não se pautar por essa questão, o que acho absolutamente justo (aliás, foi o que ele sempre fez!) O que incomoda é a pertença racial do candidato a vereador vir à tona num momento onde é conveniente se estabelecer diferenciais que “agreguem valor” ao candidato. Usar desse argumento para sensibilizar e angariar voto de militantes e pessoas sensíveis a temática negra, na minha opinião, não é correto. Não dá pra ser negro (no sentido político da palavra) só quando convém. Não adianta tirar foto com músicos, rappers e cineastas negros se sempre que a “água bateu na bunda” do movimento e se fazia importante a posição política de pessoas negras, Orlando Silva nunca foi uma opção para reivindicação, tampouco um representante da causa. Efetivamente nunca apoiou abertamente a questão política e social da(o) negra(o) e só a ressalta na tentativa que aumentar sua margem de votos frente a um eleitorado específico. Por isso divido essa reflexão com companheiros de militância e /ou sensíveis à causas. Urge o momento de elegermos pessoas realmente comprometidas com as diversas causas sociais: seja da(o) negra(o), seja da mulher, seja dos transgêneros,  etc. Apenas ressalto que não se pode votar em candidatos que negociam essas pautas em momentos eleitorais. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

CIDADÃO OU CONSUMIDOR? MAIS UMA “CELSORUSSONICE”



Lendo o “plano de governo” do candidato Celso Russomanno percebi que o que consta no site oficial nada mais é do que uma carta de intenções com propostas genéricas de ação. Até ai, não há novidade. Grande parte dos candidatos/as faz isso. O que surpreende é uma de suas propostas. No item “Respeito ao cidadão” ele descreve: “O serviço público deve ser tão eficiente quanto o privado”. Como assim? Tão eficiente quanto o privado? Tão eficiente quanto a telefonia, o serviço de banda larga, os aeroportos, as operadoras de celulares? O setor privado não pode ser sinônimo inquestionável de eficiência, pois também apresenta debilidades, limitações e falhas. Mas percebem o absurdo maior? É o ápice da contradição que justamente Celso Russomanno, a pessoa que “sempre lutou pelos direitos dos consumidores” contra as arbitrariedades das empresas PRIVADAS ter como parâmetro de eficiência para o serviço público exatamente a mesma "EFICIÊNCIA" DO SERVIÇO PRIVADO QUE ELE SEMPRE COMBATEU!!!! Se o serviço privado fosse tão eficiente porque no seu plano de governo constam ideias como criação e implantação do Código de Defesa de Posturas do Consumidor Municipal bem como a criação de um PROCON municipal? Não fosse o policialesco programa “Aqui e Agora” (transmitido pelo SBT na década de 1990) onde Russomanno figurou durante anos no quadro de defesa ao consumidor, protegendo as pessoas das irregularidades cometidas pelo setor privado e que corriqueiramente passavam impunes, e se o serviço público fosse totalmente eficiente, provavelmente ele não conseguiria projeção política e talvez não figurasse numa posição de destaque nessas eleições. Fica evidente que Russomanno não sabe a diferença entre “direitos do cidadão” e “direitos do consumidor”, pois confunde prescrições constitucionais com leis de regulação de mercado sob a ótica microeconômica do consumo (típico do ideário neoliberal). Se for eleito (estou batendo na madeira!), quem defenderá o CIDADÃO de possíveis ineficiências do governo? Óbvio: o PROCON municipal!!!!! Não sou neopentecostal mas espero que Deus nos proteja de futuras “celsorrussonices”. 

sábado, 29 de setembro de 2012

HEBE, UM MITO?



Dona de frases memoráveis como "Nossa! ela é a cara do pai, cuspido e escarrado" (ela quis dizer "esculpido e encarnado") e por abordar dilemas inquietantes do pensamento filosófico moderno como na frase "porque todo pobre tem o pé rachado?", Hebe Camargo é celebrada hoje, no dia de seu falecimento, como "o maior nome da tv brasileira", segundo o portal de notícias do Yahoo. Não que
ro ser insensível, mas nesse momento de comoção a demagogia ganha proporções galopantes, criando-se um mito por meio da lente de aumento midiática. Hebe era uma mulher que defendia valores conservadores e ultra-reacionários. O programa dela era pobre em todos aspectos, sobretudo pela desenformação e conhecimento limitados que Hebe possuía para abordar quase todos assuntos. Esse vazio era preenchido com excessivos elogios numa caricatural interpretação de simpatia. Com todo respeito a vida humana, mas Hebe não deixa legado algum a nossa televisão. O formato de programa que ela apresentava já estava pra lá de desgastado e sua audiência cada vez mais tímida garantida pela fidelidade que adquiriu ao longo de décadas de TV. Era uma programa de entrevistas tolas e superficiais, que não se renovou, tampouco agregou inovações relevantes ao jeito de se fazer TV. O rótulo de "diva da tv brasileira" atribuído a Hebe, na minha opinião, só comprova quão questionável é a qualidade da nossa TV.

O JÔ SOARES QUER SABER: "ONDE ESTÁ O RACISMO?"



Tenho várias discordâncias com o senso comum. Uma delas é a ideia de impingir a Jô Soares o rótulo de figura notória inteligencia. Estou assistindo o programa dele e o entrevistado é um pesquisador sobre palavras da língua portuguesa que caíram em desuso. Já a tempos obs
ervo a ignorância de Jô acerca da questão racial. Na verdade, ele somente ressoa ideias de senso comum. Vide o comentário sobre a a música "o teu cabelo não nega" de Lamartine Barbo: "não sei onde as pessoas vêm racismo nessa letra". Mais uma vez emerge o vilão do "politicamente correto" atrapalhar tudo. Na verdade, no contexto em que a letra foi feita a noção de direitos humanos engatinhava bem como o capital político de reivindicação negra não tinha o mesmo acumulo de nossos dias. Não se trata de retirar a música do seu contexto histórico e taxá-la de racista pura e simplesmente. A análise que faço sobre a letra considera o contexto da época. Foi feita em tempos que racismo não era crime, a discriminação era abertamente praticada sem nenhuma prerrogativa de pena e o reclame do negro era emudecido, coagido a aceitar calado todas as ofensas que lhe eram impingidas. Não por acaso o ataque ao "politicamente correto" surge no momento em que os movimentos sociais e a luta por direitos se ampliaram, e isso incomoda aqueles que sempre puderam praticar o racismo nosso de cada dia e que hoje consideram um absurdo não poderem mais contar suas piadas nem fazer comentários estigmatizantes sem que alguém lhes coloque defronte com seus próprios preconceitos. Mas voltando a música, segue a minha análise sobre a letra: Diz a canção:

“O SEU CABELO não nega mulata
Porque és mulata na COR....
MAS como A COR NÃO PEGA, mulata
Mulata, eu QUERO O SEU AMOR...”

O cabelo e a cor são traços incontestáveis da ascendência negra-africana da mulata. O que para o locutor da canção parece não importar pois A COR NÃO PEGA, logo, conclui com entonação sexualizada “Mulata, eu QUERO O SEU AMOR”. Sinal de que a possibilidade de uma relação sexual com a mulata era possível de ocorrer sem maiores “prejuízos” pois ao fazer "amor" a sua cor não seria transferida para o amante (afinal, a cor não pega, né Lamartine). A reflexão a ser feita é: e se a cor pegasse? Ele ainda iria querer o "amor" da mulata? Larmatine viveu, cresceu e morreu em uma sociedade racista e a visão sexualizada da mulher negra ainda reverbera nos dias atuais onde reprise de novelas como "da cor do pecado" ainda apontam estereótipos machistas e racistas sobre as mulheres negras. Sim, Jô. O politicamente correto é chato! Principalmente para as pessoas que dissimulam uma suposta tolerância mas que na vida prática sempre puderam destilar sem freios seus preconceitos de maneira privada. Bom, se você se alegrava ao ouvir essa animada marchinha apenas acrescente ou ignore essa informação ao seu juízo de valores. Quanto ao Jô Soares faço votos para sua aposentadoria. Se o politicamente correto é chato, o seu programa então...

“OS BARES ESTÃO CHEIOS DE ALMAS TÃO VAZIAS” - texto sobre a indiferença, individualismo, homofobia e naturalização da violência em são paulo.



Madruga de sábado para domingo (22 e23/09/2012). Eu e uma amiga chegamos no Estadão, tradicional bar na região central da cidade (de São Paulo) conhecido, dentre outras coisas, por ser um point boêmio e por seu atendimento 24h . O estabelecimento estava lotado, em plena 3 horas da madrugada. Do lado de dentro do balcão os funcionários corriam freneticamente de um lado para outro num atendimento caótico. Só pedimos uma água e fomos categoricamente ignorados. Mas não escrevo este para falar do atendimento tampouco de “direitos do consumidor”. O caso é mais grave. Trata-se de direitos humanos. Quinze minutos depois, ainda a espera de uma simples garrafa d’água, entra um homem, alto, branco, na casa dos 30 anos, falando alto e um tanto transtornado. Achei que fosse alguma reclamação pelo atendimento dos balconistas (já que tinha presenciado uma reclamação de um cliente minutos antes). Chamou-me a atenção quando o homem apontou pra mim e disse “eu estava sentado bem ali” – exatamente onde eu estava sentado naquele momento. Vi que não se tratava de uma discussão pelo mal atendimento. O homem tinha o olho esquerdo inchado e roxo, indício irrefutável de que tinha sido agredido. Emprestei toda a atenção ao caso. Disse o homem que tinha acabado de ser esmurrado por um outro homem que estava ao seu lado. Alegou que o restaurante teria facilitado a saída do agressor para evitar maiores transtornos (como a chegada da polícia, por exemplo). O balconista disse friamente “eu disse para você não responder”. Indignado, o homem pediu ajuda a todos que ocupavam aquele lugar lotado. Nesse momento este homem foi agredido novamente. Dessa vez pelo individualismo exacerbado paulistano. As pessoas continuavam a comer, rir, ler seu jornal. Era como se aquele homem não existisse. Como se não fosse grave a sua denuncia. Os que não o ignoraram, riram dele. Diziam: “chama o Datena”, “chama o aqui agora”. Riram de um homem que tinha sido agredido! Uma moça se manifestou, pois estava incomodada com o fato do homem agredido estar falando alto bem próximo ao ouvido dela. Histericamente reagiu dizendo que não tinha nada haver com isso, sinalizando que não queria ser importunada (novamente a merda do individualismo). A atitude dos presentes foi um ato de violência tão dilacerante quanto o soco que levou. O homem sai desolado do bar. Eu e minha amiga saímos (nem precisamos cancelar o pedido, pois fomos categoricamente ignorados pelo péssimo atendimento do local). Ela e eu ficamos indignados com a mesquinhez tacanha daquela gente “sofisticada” da noite paulistana. Lembrei de uma frase do cantor Criolo “os bares estão cheio de almas tão vazias” na clássica música “Não Existe Amor em SP”. Fomos conversar com o rapaz. Ele estava ligando reiteradamente para polícia e já estava a quase 30 minutos esperando uma viatura. Desabafou conosco: “sou gay e conversava com um ex-namorado ao celular. O homem ao meu lado deve ter escutado a conversa se sentiu incomodado. Achou que estava falando com ele. Eu disse que não tinha nada haver com ele, que a conversa não era com ele”. Foi o suficiente para que o agressor lhe desse um murro no olho e fugisse rapidamente, ajudado pelos funcionários do bar que agilizaram o fechamento da conta e sua retirada. Fomos a uma delegacia que fica num cruzamento da avenida augusta, região do centro de São Paulo. Não havia escrivão no plantão. Aliás, nunca há, pois naquela delegacia não possui plantão noturno. Num lugar onde existe uma vida noturna intensa, isso me espantou. Já, na delegacia a alguns quarteirões dali, num bairro nobre, havia dois escrivães de plantão. Realmente nossa cidade é planejada de acordo com o capital. Aconselhamos que fosse pra casa (ele estava emocionalmente transtornado) e que logo cedo fosse fazer o exame de corpo de delito e o registro da agressão. Antes de nos despedirmos,o homem agredido nos disse com uma estranha “alegria”, com os olhos imbuídos em lágrimas: “ainda bem que eu estou VIVO!”. Alguma coisa de muito errada acontece numa sociedade quando pessoas são violentadas por serem quem são (mulheres, negras/os, gays, lésbicas, transgêneros, etc) e se sentem aliviadas de por não ter acontecido algo pior. Alguma coisa de errado acontece numa sociedade quando a violência torna-se algo natural, quando não, legitimada pelo preconceito generalizado e enraizado no senso comum. Pior ainda quando os agredidos se sentirem aliviados por estarem VIVOS! Nos despedimos. Minha amiga e eu ficamos consternados. O homem nos agradeceu simplesmente por termos dispensado a ele um tratamento HUMANO! Teve de tudo naquela noite : homofobia, indiferença, individualismo, naturalização e legitimação da violência, enfim. Enfrentamos tempos difíceis, de copos cheios e almas vazias.